Direito à Vida x Direito à Liberdade de Religião
A Constituição Federal, em seu Artigo 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, sendo este considerado o direito dos direitos, pois, uma vez ausente a vida, ausente a garantia para qualquer outro direito.
De outro lado, a Constituição Federal, em seu Artigo 5º, Inciso VI, garante a inviolabilidade da liberdade religiosa.
Desta feita, ao nos defrontarmos com os casos médicos onde se faz necessária a transfusão de sangue em pacientes Testemunhas de Jeová – que, por sua vez, a considerar a natureza sacra do sangue, não permitem a transfusão de sangue aos seus adeptos, nasce um confronto jurídico entre o direito à vida e o direito à liberdade religiosa.
Trata-se, no entanto, de uma questão complexa e que tem-se feito presente no cotidiano jurídico, pois inúmeras são as discussões acerca do tema, assim como a promoção de ações judiciais para autorizar a transfusão de sangue.
Com efeito, em nosso ordenamento jurídico, tem-se difundido o entendimento de que o direito à vida deve prevalecer, porque primazia absoluta, pois, “se não há vida, não há motivo para a garantia de qualquer outro direito. Ainda mais quando trata- se de paciente menor de idade, incapaz de expressar sua própria vontade: neste caso, salvo melhor juízo, não é dado aos pais escolher entre a vida e a morte de terceiro”1.
Em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, no voto-vista do acórdão do Habeas Corpus n.º 7.785 – SP, que negou provimento ao paciente, então médico e Testemunha de Jeová, responsável por induzir os pais de uma menor a não autorizar a transfusão de sangue, restou consignado que, o Estado Brasileiro é laico, ou seja, não possui uma religião oficial, sendo, portanto, garantido o direito constitucional à liberdade religiosa, mas, no entanto, que referido direito está subordinado ao Direito do Estado Brasileiro, sendo que, em eventual conflito, prevalece o último. Nesse contexto, o direito à vida prevalece, por tratar-se de um bem jurídico indisponível. Com isso, o profissional da medicina está submetido ao Direito Brasileiro, devendo cumprir a legislação vigente no país, e, portanto, realizar transfusão de sangue, quando for recomendada para manter a vida.
O STJ, recentemente, também proferiu decisão nos autos do HC 268.459-SP, onde inocentou os pais pela morte de sua filha de 13 anos, por recusa à necessária transfusão de sangue, responsabilizando, exclusivamente, os médicos envolvidos no caso, por não terem desrespeitado a vontade do paciente e/ou de seu representante legal em prol da vida da menor, e não utilizarem de todos os métodos que estavam à sua disposição para salvar a vida da criança. Isso porque, no juízo de ponderação entre o direito à vida – sobretudo do adolescente, que ainda não teria discernimento suficiente, do ponto de vista legal, para deliberar sobre os rumos de seu tratamento médico – e o direito à convicção religiosa dos pais que teriam se manifestado contrariamente à transfusão de sangue, prevalece o primeiro. Nesse contexto, deveriam os médicos do hospital, crendo que tratava- se de medida indispensável para se evitar a morte, não poderiam privar a adolescente de qualquer procedimento, haja vista o seu dever profissional.
Daí a conclusão de que os entendimentos acerca do presente tema, vêm se assentando no sentido de que, o direito constitucional à vida – bem jurídico indisponível – se sobrepõe ao direito constitucional à liberdade de religião, devendo os profissionais da medicina se utilizarem de todos os procedimentos necessários para salvaguardar a vida de seus pacientes, independentemente da convicção religiosa do paciente e/ou familiares, sobretudo quando tratar- se de paciente menor de idade.
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1 Trecho da sentença proferida nos autos do Processo n.º 00013577-27.2016.8.26.0635, 3ª Vara Cível da Comarca de São Paulo.