Crônica

Pare de me chamar de ‘Aborrecente’

Então eu pisquei e meu filho de 15 anos começou a namorar…
Trabalho com adolescentes, vejo isso todo dia, mas aquele ditado “em casa de ferreiro o espeto é de pau” serviu perfeitamente quando me vi com ciúmes e discutindo com o jovem que habita a minha casa, reclamando da sua mudança de comportamento. Tenho alguns parentes que já me disseram “seus filhos são um encanto, também…você é pedagoga!!” Aff… é como pensar que o filho do dentista não terá cárie, o filho do médico não adoece, do advogado não infringirá as leis, do nutricionista não comerá doces. Nada é garantido na adolescência, eles estão emocionalmente instáveis, biologicamente passando por uma alteração cerebral importantíssima no seu córtex pré-frontal que é a região responsável (preste atenção!) por nos dar a capacidade de regular as emoções, a impulsividade e planejamento a longo prazo.
Mas tudo isso é ciência, podem procurar no Google…Voltando para o ser que é meu objeto de estudo e o que me mostra meus fracassos:

  • Filho, você não vai colocar no seu Status “em um relacionamento sério com…”, vai? Vocês são muito novos, sério é um noivado, uma união estável. Duas semanas depois? Lá estava a foto do casal.
    Nós adultos conseguimos controlar sempre nossas emoções? E nossos impulsos em compras, comida? Sempre planejamos o que vamos fazer? Então, se entendemos que um bebê vai andar entre 10 e 18 meses, aos 6 anos poderá ser alfabetizado, porque não respeitamos a última e mais dolorosa etapa antes da vida adulta, a etapa das descobertas do coração, do amadurecimento emocional?
    Esse respeito começa por tirarmos esse rótulo de que eles nos desagradam, que são problemas.
    PARE HOJE MESMO DE CHAMÁ-LOS DE ABORRECENTES! Jovem brilha, mas também apaga, se automutila, comete suicídio. Sim, são problemas graves e rende um textão para cada um deles. Mas prefiro falar das alternativas, o que funciona para que esse adulto de amanhã seja um cidadão crítico, ético e construtor de uma sociedade melhor, vou falar daquilo que tenho visto funcionar: na maioria das divergências, só precisamos estar ali, toda base deve ter sido construída nas etapas anteriores, agora somos expectadores desses novos protagonistas. Que irão nos questionar, nos testar, mas a provação maior é a deles e não podemos vê-los como inimigos! Não transforme essa relação em um cabo de guerra. Sim, isso é para mim também.
    Precisamos considerar ainda suas habilidades e sonhos, sem depositar nossas frustrações de formação e carreira neles. Você que trabalha com formação ou dirige uma empresa, o que o jovem precisa é OPORTUNIDADE. Trabalhei em uma ONG que atendia crianças e vi como é fácil ver a comoção das pessoas com os pequenos, muitas doações, todo tipo de ajuda. Mas agora, trabalhando em uma Instituição Social que atende adolescentes, vejo a diferença. É muito mais difícil sensibilizar as pessoas e empresas da importância de ajudarmos o jovem. Ele não é mais o bebê fofinho; ele usa piercing, tem tatuagem e vai oscilar entre o “mundo da lua” e “pane no sistema”, mas dessa geração dependerá um mercado de trabalho mais justo e cooperativo no futuro, ou uma cidade mais ou menos violenta, dependendo de como escolhermos olhar, tratar e chamar nossos ADOLESCENTES.
    De nada adianta lamentarmos uma sociedade violenta, injusta, se não começarmos a trocar a palavra aborrecer por agradar, alegrar, comprazer sempre que convivermos com um adolescente (e lembrem-se que toda criança vira um ). Só assim conseguiremos interromper o sentimento de exclusão que se tem imposto ao adolescente quando taxado de aborrecente.
Por Ana Carolina Fernandes de Araujo
Pedagoga no Educandário Deus e a Natureza
FOTO: Freepik
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